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Caderno
Miragaia foi à guerra

[Maria José Lobo Antunes]

Entre 1961 e 1974, cerca de um milhão de homens foi recrutado em Portugal e enviado para Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, onde iria defrontar movimentos de libertação então designados de “terroristas”. Este acontecimento histórico que se prolongou no tempo e se dispersou por três territórios foi a mais longa guerra de descolonização combatida por um império europeu. Ao contrário de outros conflitos semelhantes ocorridos durante o século XX, foi suportado por um regime autoritário e antidemocrático que limitava a informação acessível ao público, impunha uma narrativa única e reprimia a oposição. Silenciada ou deturpada pelo aparelho de censura e pela propaganda do regime, foi apenas depois do 25 de Abril, da descolonização e da viragem democrática do país que, gradualmente, a guerra colonial emergiu na esfera pública através da literatura, do cinema, do teatro, de investigações académicas e jornalísticas. Esta guerra – ou guerras – é, hoje em dia, um passado incómodo que ficou coberto de silêncio por demasiado tempo. 

 

Este Caderno é mais um passo para desocultar memórias e imagens de uma guerra tornada anacrónica com a revolução do 25 de Abril. A convite da Confederação e do Cultura em Expansão, embarquei no projecto Memoratório... Miragaia foi à guerra. Queríamos conhecer as memórias e fotografias de quem, partindo de Miragaia, foi mobilizado para Angola, Guiné-Bissau e Moçambique: que estórias contam as suas palavras e colecções fotográficas? De que maneira se cruzam com a história recente do Porto, do país e do mundo?

 

Durante cerca de um ano, conversei com treze homens que em tempos foram soldados. A maioria fez parte das forças de quadrícula que garantiam a presença militar portuguesa em aquartelamentos. Isolados ou colocados junto de cidades, vilas ou aldeamentos, era daqui que as suas unidades partiam para operações logísticas de reabastecimento, patrulhamentos e operações conjuntas que combinavam forças portuguesas e tropas auxiliares africanas. Dois destes homens fizeram parte dos Comandos, forças especiais de contraguerrilha criadas durante o conflito.

 

Antes das nossas conversas, fora-lhes pedido que trouxessem fotografias do tempo da tropa e das suas comissões de serviço em África. Quase todos as tinham. Organizadas em álbuns, conservadas em caixas, arrecadadas em sótãos de difícil acesso, ou deixadas em lugares tornados inacessíveis por divórcios, acabaram por chegar aos nossos encontros. Só num caso isso não aconteceu; alguns anos antes, um incêndio consumira a sua colecção pessoal.

 

Sentados numa mesa no Auditório do Grupo Musical de Miragaia, manuseamos juntos as fotografias. Muitas vezes me lembrei do tema Fotos do Fogo, do Sérgio Godinho: “Como a memória a primavera / Rebenta em flores impensadas / Num livro as amassamos como flores cortadas / Logo após cortadas / Já foi há muitos anos”. Foi há muitos anos, mais de cinquenta e, todavia, as fotografias conseguiam fazer disparar memórias de situações, de camaradas, de cheiros e sensações – um passado irrecuperavelmente perdido, mas tão presente em pedaços de papel fotográfico.

 

Este Caderno segue estes homens durante as suas infâncias e juventudes, num país calado pelo regime autoritário e conservador que impôs a conformidade silenciosa. Vemo-los crescer em Miragaia, entre brincadeiras na rua e o trabalho que muitas vezes se impôs como imperativo de sobrevivência familiar. Através das suas memórias e fotografias vemos a guerra que se aproxima até à inevitabilidade da incorporação militar, e seguimo-los em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. O que recordam, mais de 50 anos depois?

 

Feito a partir das estórias e fotografias de treze protagonistas de Miragaia, este Caderno conta também com uma convidada especial: Rita Neves. Actriz, encenadora e filha de um dos milhares de homens que em tempos foi soldado, Rita Neves apresentou em 7 de abril de 2022 no Auditório do Grupo Musical de Miragaia o espectáculo Corpo Suspenso, em co-autoria com Patrícia Couveiro. Partindo de uma investigação artística em torno da experiência do seu pai na guerra em Angola, Corpo Suspenso põe em cena o corpo da filha que procura compreender o lastro do passado no corpo-arquivo do pai. O texto “Carta ao pai”, que faz parte deste Caderno, é a carta que tantas e tantos de nós gostaríamos de ter escrito para os nossos pais, então rapazes, largados numa guerra que os iria marcar para sempre.

 

Longe de ser uma história da guerra, dos seus grandes acontecimentos e protagonistas, o Caderno resgata estórias contadas pelos protagonistas sobre um tempo que já passou, mas que ainda está connosco. 

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Índice
Protagonistas - 5

Em Ditadura - 13

Crescer em Miragaia – 17

O Estado Novo contra o vento – 31

Miragaia foi à guerra – 41

Esquece-me quando esta fotografia falar – 77

Carta ao Pai, de Rita Neves – contra-capa

 

Pesquisa · Maria José Lobo Antunes e Miguel Ramos

Textos · Maria José Lobo Antunes e Rita Neves 

A partir dos espólios de · Alexandre Gomes, Alírio Coutinho, Álvaro Manadelo, António Paiva, António Silva, Artur Queiroz, Centro Português de Fotografia, Fundação Mário Soares e Maria Barroso/Casa Comum, Graciano Barbosa, Joaquim Nascimento, Joaquim Pinto, José Azevedo Oliveira, José Eugénio Pinto, Marcílio Pinto, Octávio Teixeira, Severa da Rocha

Coordenação edição · Maria Manada

Coordenação equipa · Rosário Melo

Comunicação · Ana Coelho

Design · Macedo Cannatà 

Impressão e acabamentos · Orgal Impressores 

Edição · Confederação

Coprodução · Cultura em Expansão / Câmara Municipal do Porto

Deposito legal · 539294/24

ISBN · 978-989-33-6780-3

978-989-35860-3-7

 

Data · 2024 (Julho)
Páginas · 96 páginas

Formato · 20 x 28 cm

Impressão · Offset


PVP · 0€
(Envio via CTT, acresce o valor de 6.50€)

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